Considerações Sobre o Filme Let it Be dentro de uma Perspectiva Existencialista

O filme Let it Be a meu ver, é “Existencialista” por excelência, do ponto de vista onde os Beatles acabaram atingindo o significado e a essência de suas vidas, em oposição de sua existência como banda ter sido criada por outros, no caso, a Beatlemania, o sonho a ser realizado imposto por outras entidades, no caso, os fãs. Os Beatles não deixaram de ser um grande produto da mídia em plena era onde se discutia a “Aldeia Global”. Foram consumidos por entidades externas, se deixaram consumir e por conseqüência funcionaram como marionetes de um sistema que deles necessitava para a perpetuação de ideais Platônicos. Não se tratava de conhecer as necessidades individuais, as necessidades que levam à satisfação individual.

Eu entendo o filme como o a manifestação do repúdio de pertencer a qualquer adequação de qualquer organismo independentemente de crenças, fetiches, carências de terceiros e especialmente dos sistemas. Entendo que seja a insatisfação com o superficial.

Dentro da máxima existencialista de que “a existência precede a essência”, podemos entender que a “existência” dos Beatles predominou sobre a “essência” de cada Beatle individualizado. Os Beatles foram muito mais focalizados e determinados como um uno para satisfazer-se o ideal Platônico do sistema, em detrimento à essência de cada membro da banda. O filme mostra (para mim) a rebelião contra as idéias Platônicas, onde um agrupamento de pessoas é a verdadeira realidade por trás das aparências das coisas mundanas.

O que o filme nos proporciona é a visão de um Beatle individualizado, por isso a dissensão daqueles que se definem ou se descobrem. Dentro do que preconiza Jean-Paul Sartre, o homem primeiramente existe, surge para o mundo e posteriormente se define. Enxergo o filme Let it Be sob essa ótica, onde a “posterior definição” de cada um dentro de suas “essências” é o elemento desagregador de uma união que existiu até que as definições individuais entraram em cena a partir de 1965.

Mas ainda dentro de um exercício Existencialista a La Sartre, nos deparamos com o fato de que o homem que se define, descobre a necessidade de ter liberdade, a qual segundo ele é “a condição a qual todos os homens estão condenados devido ao fato de possuírem escolhas”. Essa “definição” individual me soa como o “Anjo Exterminador” de Luis Buñel, onde a exposição das necessidades individuais leva ao “caos”. Teria o Anjo Exterminador, sido Yoko ou a percepção do desejo de liberdade por parte de cada Beatle? Unir-se em uma banda, é elemento volitivo individual, decorrente da liberdade que conduz à escolha. Permanecer em uma banda é outro elemento volitivo decorrente da liberdade. Até que ponto os quatro não tinham o mesmo desejo?

Ainda sob essa visão, pode-se afirmar que a partir do momento em que o homem se define, ele pode “desejar” ser algo e em seguida, o é, e muitas vezes esse “desejo” de ser algo pode dar margem a se fazer algo de má-fé, onde a má-fé poderia ser o fato de John ter trazido Yoko para o estúdio.

A má-fé poderia ser vista também como a escolha de Harrison em se rebelar contra Paul, bem como a necessidade de controle por parte de Paul, a apatia de Ringo, ou melhor, seu tédio pela percepção do ambiente e a falta de motivação, como conseqüência de sua própria escolha, ou em ter se juntado aos Beatles, ou mesmo do conformismo com sua posição dentro da banda, ou ainda simplesmente, o estado das coisas.

Considerando-se que o mundo “em si” seja “Absurdo”, ou melhor, “Injusto” sob a ótica de Albert Camus, uma vida significativa, pode a qualquer momento, perder todo o sentido. As razões que levam a isso, segundo Camus, podem variar de uma tragédia que destrua a vida de uma pessoa ou o resultado de um questionamento honesto por parte de um indivíduo sobre sua própria existência. Assim sendo, uma vida significativa poderia ser entendida como a existência de uma banda, a vida da mesma como um ser individualizado e toda sua história que conduziu à insignificância do permanecer-se unida, pois cada Beatle, em um contexto existencialista, pode ter se definido, ou até mesmo, percebido a insignificância das coisas. A constatação de que no final tudo se resume a uma coisa só, qual seja absoltamente nada. Tal percepção do quanto isso tudo pode ser difícil para pessoas emocionalmente instáveis pode levar ao cerne do Existencialismo: a constatação de Albert Camus quando alega que “Existe apenas um único problema filosófico sério, qual seja o suicídio”.

Penso que os Beatles possam ter se suicidado em conjunto em frente às câmeras nesse “documento existencialista” (para mim), chamado “Let it Be.